domingo, 3 de junho de 2012

O SUS, a legislação e os novos desafios


Jornal do BrasilVanderson Carvalho Neri*



“A saúde é um direito de todos e um dever do Estado, assegurado mediante políticas sociais e econômicas que visem à  redução do risco de doença e de outros agravos, e acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Assim inicia-se o artigo 196 da Constituição federal de 1988, referindo-se a uma nova concepção de saúde e acesso aos meios que a promovam no contexto social. Foi esse regimento da Constituição que, em conjunto com preceitos assistencialistas e de promoção à saúde, deu origem ao projeto que hoje conhecemos como o Sistema Único de Saúde, o SUS.

Na forma como foi concebido, baseado nos preceitos de universalidade de acesso aos serviços, integralidade da assistência, equidade e descentralização político-administrativa, o nosso sistema de saúde deveria ser um exemplo para o mundo. Um sistema igualitário, distribuído, integrado e qualificado, promovendo, sem exclusões, a saúde integral da população.

Mas vinte anos após sua criação, apesar de várias gestões moldando seus regimentos e infindáveis recursos públicos destinados ao aperfeiçoamento do sistema, ainda existem graves e duradouros problemas de gestão pública e organização. Falta de leitos hospitalares, enormes filas de espera para atendimento, escassez de especialistas, falta de medicamentos e equipamentos na rede pública, concentração dos recursos financeiros nos grandes centros em detrimento das necessidades do interior do país, são alguns dos intermináveis problemas diários de nossa saúde pública, fatos que vêm comprovando como o nosso sistema ainda não é tão igualitário e universal como idealiza a legislação.

Não é nenhum exagero dizer que a saúde pública em nosso país não vai bem. Na verdade, a saúde pública brasileira vai muito mal, e há muitos anos. Muitos progressos foram feitos desde a criação do SUS, muitas conquistas alcançadas, mas ainda falta um grande percurso até atingirmos um sistema organizado e descentralizado, que é aquilo de que nossa população necessita, de fato. Os erros são hierárquicos, ocorrendo nas três esferas de gestão: federal, estadual e municipal. Ainda faltam projetos reais e eficazes que viabilizem as diretrizes teóricas que fundamentam o SUS em nosso país continental, sem falar da carência de políticas públicas que concretizem ações objetivas, que reduzam a sobrecarga na assistência e ofereçam de fato promoção à saúde e a prevenção de doenças.

O SUS já foi reprovado, e pelo próprio governo. Segundo o IDSUS, um recente indicador criado pelo governo federal para avaliar o sistema, cuja nota varia de zero a dez, avaliando vários quesitos da assistência, como acesso aos serviços de média e alta complexidade, a nota nacional foi 5,47. Um quinto dos municípios brasileiros obteve nota menor que 5, sendo, portanto, considerados deficientes na oferta de serviços à população. Isso comprova na prática que a legislação ainda é muito filosófica para a realidade nacional e está longe de garantir os direitos universais que fundamentam a assistência.

Para o orçamento de 2012, o Ministério da Saúde perdeu mais de 5,4 bilhões de reais para investir em seus programas. A versão do governo é que todo seu planejamento para o ano está mantido, mas certamente será com um financiamento e estímulos muito mais magros, o que certamente vai contra as necessidades de nosso atual sistema público, sempre necessitado de novos investimentos e modernização, as únicas alternativas para evitar o total sucateamento de sua estrutura mais importante: a assistência.

Apesar de a Constituição ser coerente, as filosofias de gestão nobres e o ideário de uma saúde pública eficiente ser levantado como bandeira por muitos órgãos e governos, o fato é que o SUS atingiu a maioridade com muitas sequelas. Serão necessários mais recursos financeiros, gestões responsáveis e boa vontade política para sustentarmos o SUS com dignidade, pois faltam investimentos em novas tecnologias e na terceirização dos gastos da saúde. Os cuidados com o SUS necessitam de planejamento, continuidade e fiscalização dos gastos públicos para obtermos melhores resultados. Grande responsável por esses erros tem sido o Congresso Nacional, devido à morosidade e comodismo em aprovar a regulamentação dos gastos em saúde e políticas que facilitem a distribuição e organização de verbas públicas para seus reais destinatários.

Deveria ser consenso geral que a saúde pública não pode ser tratada de forma irresponsável e superficial, funcionando como moeda de troca para a criação de novos impostos ou estratégias políticas e eleitoreiras. O direito à saúde é garantido a todo cidadão brasileiro pela Constituição federal, e esta deve ser feita valer em todos os seus parágrafos e artigos. Isto, na verdade, é o mínimo que se pode esperar de gestões democráticas, competentes e modernas, que de fato priorizem e estejam comprometidas com as reais necessidades da sociedade.

* Vanderson Carvalho Neri é médico neurologista - vandersoncn@yahoo.com.br

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